Lentamente o conceito americanizado do chamado fast-food invadiu o mundo e dominou e continua a dominar a alimentação global. Pode não ter afectado as pequenas comunidades mas, certamente, que nas grandes metrópoles seria inconcebível não existirem estes restaurantes de alimentação rápida, prática e de baixo custo.
Hoje, a maior preocupação de quem trabalha é poder fazer uma refeição de razoável qualidade, a um baixo custo e num menor tempo possível.
Para combater esta tendência tem vindo a aparecer uma “nova geração” de apreciadores da boa mesa. Eles trazem novos conceitos e pontos de vista mais actualizados sobre o tema. Valorizam uma alimentação mais saudável e equilibrada e, preferencialmente, adequada ao meio ambiente em que vivem.
Em 1986, Carlo Petrini, jornalista italiano, inconformado com a abertura de um fast-food americano em plena Piazza d’Espanha, em Roma, criou um movimento para preservar a “celebração dos sabores e dos sentidos” da mesa tradicional: o SFM – Slow Food Movement. Actualmente, este movimento tem mais de 80 mil membros (produtores), espalhados por cerca de 48 países. França, Itália e Alemanha já promovem feiras de Slow Food anualmente.
O SFM determinou que para atingir os seus objectivos, os produtos alimentares e as respectivas confecções, deveriam respeitar os métodos tradicionais que, em alguns casos, retrocediam a centenas de anos no tempo: os cereais, as leguminosas, as frutas, os vegetais e os legumes, só poderiam ser colhidos se fossem selvagens e os produtos de origem animal só poderiam ser provenientes da caça ou de animais domésticos criados num ambiente absolutamente natural.
Carlo (o fundador do SFM) afirma que “o movimento deve ser lento, muito lento, porque defende a biodiversidade e os pequenos produtores. O Slow Food Movement é diferente dos movimentos ecológicos e gastronómicos. Os movimentos gastronómicos não defendem os pequenos produtores e os seus produtos, e os movimentos ecológicos lutam por determinadas causas, mas não cozinham ou confeccionam. O nosso movimento associa as duas coisas ao mesmo tempo. E por isso, critico as regras de higiene que estão a ser implementadas na União Europeia porque estão a acabar com os métodos tradicionais da produção. Nós precisamos de defender os microrganismos, porque eles ajudam-nos na produção de diversos tipos de alimentos, como nos iogurtes, no queijo, no vinho, etc”. Ele ilustra as suas afirmações com um simples exemplo: a região nordeste de Hamburgo (na Alemanha), até aos anos 50 produzia grandes quantidades de maçãs; com o aparecimento e a evolução de pomares tecnicamente desenvolvidos noutras regiões da Europa, as macieiras daquela região foram destruídas, uma vez que produziam frutos “com bicho” e com um padrão abaixo da média. Actualmente, os produtores da região colhem 7 espécies de maçãs, que chegam a custar, por unidade, o preço de duas dúzias de maçãs de supermercado, ou seja, padronizadas, mesmo que possam estar “tocadas ou comidas pelos bichos”. E apesar de terem um tamanho mais pequeno, as pessoas compram-nas. Os argumentos para a venda são: o fruto é selvagem; quando estão “tocados” significa que o fruto é natural e saboroso, as dimensões reduzidas só comprovam a não utilização de substâncias tóxicas (como os pesticidas e os fertilizantes químicos) e de uma manipulação genética – desta forma pode ser comprovado naturalmente que o sabor do fruto é “sensualmente natural”, afirmou Carlo.
Geralmente todos estes produtos agroalimentares são muito caros. Existem restaurantes tradicionais em França que disponibilizam, aos seus clientes, uma ementa muito específica e que vai ao encontro do SFM, onde por exemplo um prato chega a custar 600 euros. Há, também, várias lojas do SFM espalhadas por toda a Europa e pelos Estados Unidos. Neste último país, inclusive, a região nordeste, zona onde existem as terras férteis, hoje ocupadas por empreendimentos suburbanos e florestais, aos poucos tentam retomar à actividade agropecuária, em 70 propriedades rurais, de forma sustentada nas técnicas do Slow Food, através da orientação do New England Small Farm Institute, filiado ao SFM.
Por curiosidade, as universidades americanas de Stanford e de Columbia têm um departamento que está a dedicar-se ao estudo da Slow Food, e consideram que:
– Do ponto de vista ambiental; ela é muito mais eficaz que os alimentos orgânicos, uma vez que podem ser cultivados em áreas degradadas e subaproveitadas produzindo alimentos biológicos selvagens, que servem para contrabalançar a padronização e a massificação ambiental de áreas dedicadas à produção em escala.
– Do ponto de vista social; consideram que o pequeno produtor dá maior poder de escolha aos consumidores, principalmente aqueles que seguem o SFM. É uma opção rentável; e que, economicamente, é um mercado com grande potencial e fortemente expansivo.
A universidade de Stanford financiou um estudo que resultou na edição de um livro chamado “Against The Grain – How Agriculture Has Hijacked Civilization”, escrito pelo Richard Manning, onde o autor, ironicamente, afirma que a sociedade está próxima de uma “revolução alimentar”.
Muito provavelmente a tal “revolução alimentar” que o Manning afirma estar próxima, decerto que não vai atingir a todos, porque na minha opinião é importante a produção de alimentos em grandes quantidades e de baixo custo para alimentar os 6 biliões de pessoas que existem no planeta.
Os principais objectivos do movimento são:
* Protecção de um produto agroalimentar de qualidade e a promoção das actividades necessárias ao desenvolvimento da produção.
* Valorização dos produtos artesanais de qualidade com campanhas promocionais adequadas ao potencial de mercado de produtos afins.
* Desempenho na protecção de um território, da paisagem rural ou do ecossistema, tentando valorizar a particularidade dos seus produtos.
* Manutenção dos ofícios tradicionais, recriando as profissões de modo a gerir os recursos do território e a favorecer novas formas ocupacionais.
* Incentivo a todas as técnicas produtivas e de todas as profissões que levem a um desenvolvimento económico compatível e correcto com a sociedade.
Resumindo, o Slow Food é uma Associação Internacional sem fins lucrativos fundada em 1989 para apoiar e fomentar a cultura enogastronómica, a educação do paladar, a biodiversidade e uma agricultura que respeite e cuide do meio ambiente. Ou seja, as pessoas devem comer e beber devagar, saborear os alimentos, divertirem-se enquanto confeccionam ou preparam as refeições, conviver com a família, com os amigos, sem pressa e com qualidade. A ideia é a de contrapor-se ao espírito do fast-food e o que ele representa como estilo de vida. A surpresa, porém, é que o SFM está a servir de base para um movimento mais amplo chamado Slow Europe como salientou a revista Business Week numa edição europeia.
Segundo a Business Week os trabalhadores franceses, embora trabalhem menos horas, (35 horas por semana) são mais produtivos que os americanos ou os ingleses. Já os alemães – que em muitas empresas instituíram uma semana de 28,8 horas de trabalho -, viram a sua produtividade crescer, aproximadamente, 20%.
Este aumento de produtividade foi devido à “slow attitude”, que está a ser questionado pelos americanos, que são apologistas do “fast” (rápido) e do “do it now” (fazer já). Portanto, esta “atitude sem-pressa” não significa fazer menos, nem tão pouco ter uma menor produtividade. Significa, sim, fazer as coisas e trabalhar com mais qualidade e produtividade, com maior perfeição, dar ênfase aos detalhes e ter menos stress. O cerne está na questão da “pressa” e da “loucura” criada pela globalização, pelo apelo à “quantidade do ter” em contraposição à qualidade de vida ou à “qualidade do ser”.