Um estudo recente publicado na revista Nature Food (Maio de 2025) trouxe à tona uma questão que vai muito além das prateleiras das superfícies comerciais: a falta de alinhamento entre o que os países produzem e o que as suas directrizes dietéticas recomendam que a população consuma. Essa discrepância revela um problema estrutural nos sistemas alimentares mundiais e coloca em causa a capacidade de cada nação garantir dietas equilibradas e sustentáveis aos seus cidadãos.
De acordo com os dados analisados, mais de um terço dos países estudados não produz internamente alimentos suficientes para cobrir pelo menos dois dos sete grupos alimentares essenciais definidos pelas suas próprias recomendações nutricionais. Em muitos casos, há produção excessiva de cereais e açúcares, mas escassez de frutas, legumes, leguminosas ou produtos de origem animal de alta qualidade. Essa desproporção traduz-se numa dependência crescente de importações e em vulnerabilidade diante de crises internacionais, como as alterações climáticas, conflitos armados ou interrupções logísticas.
O estudo destaca ainda que a auto-suficiência alimentar não deve ser interpretada apenas como capacidade de “alimentar a população”, mas sim como capacidade de garantir acesso a alimentos nutricionalmente adequados. Países que se concentram em commodities agrícolas de exportação, como soja, milho e trigo, frequentemente negligenciam a diversidade alimentar necessária para uma dieta saudável. Isso cria uma tensão entre objectivos económicos e nutricionais, dificultando políticas públicas coerentes e sustentáveis.
Essa realidade expõe um paradoxo: embora a produção global de alimentos seja, em teoria, suficiente para alimentar toda a população mundial, a distribuição e a composição dessa produção permanecem desequilibradas. Em muitos países com ordenados médios ou baixos, as dietas continuam pobres em micronutrientes essenciais, enquanto, nas nações mais ricas, o excesso calórico e o consumo de alimentos ultraprocessados geram epidemias de obesidade e doenças metabólicas.
Para enfrentar esse desafio, os especialistas sugerem uma revisão profunda das políticas agrícolas, de comércio e de nutrição. É necessário promover incentivos à produção diversificada e local, fortalecer cadeias curtas de abastecimento e integrar a sustentabilidade ecológica nas decisões de planeamento alimentar. Programas de educação alimentar e políticas fiscais que valorizem alimentos frescos e minimamente processados podem ajudar a realinhar o consumo às recomendações de saúde pública.
Em última análise, o desproporciono entre o que produzimos e o que deveríamos consumir é um reflexo das prioridades globais. Enquanto o lucro e a eficiência dominarem as agendas agrícolas, a segurança nutricional continuará ameaçada. O desafio do futuro é, portanto, não apenas produzir mais, mas produzir melhor — de modo a garantir que cada país seja capaz de sustentar, com os próprios recursos, uma alimentação saudável, justa e sustentável para todos.
O que são commodities agrícolas?
Commodities agrícolas são produtos primários provenientes da agricultura e pecuária, que apresentam poucas intervenções industriais, sendo comercializados “in natura”. Exemplos incluem cereais: como trigo e milho, café, soja, algodão, açúcar e carnes. Estes produtos são negociados em bolsas de valores e os seus preços são determinados por factores globais de oferta e procura.
























